11/8/2009, Ricardo Alarcón de Quesada, Counterpunch
Ricardo Alarcón de Quesada é presidente da Assembléia Nacional de Cuba
“É preciso correr avante sem parar, para não ser empurrado para trás.”
Lewis Carroll [1871], 2002, Alice no país do espelho, SP: Ed. Nacional.
Lembram-se do "Caso Elian"?
O caso de Elian González, de seis anos, que foi sequestrado por tios-avôs, contra a vontade do pai e em claro desafio à lei norte-americana e à decência humana, foi fartamente noticiado pela imprensa em todo o mundo. Miami, onde Elian foi sequestrado, tornou-se uma espécie de 'cidade libertária' nos EUA, quando o prefeito, o chefe de polícia, políticos e todos os jornais e rádios e redes de televisão, além de instituições religiosas e comerciais, uniram-se a inúmeros violentos grupos terroristas para desafiar ordens legais e de órgãos governamentais que ordenavam que o menino fosse libertado e entregue ao pai.
Foi necessária a intervenção de uma equipe das Forças Especiais enviada de Washington em complexa operação militar, que invadiu várias casas, desarmou pessoas fortemente armadas que se escondiam nos arredores de onde Elian era mantido preso, libertou o menino, entregou-o ao pai e restaurou a lei e a ordem pública.
Todos acompanharam o desenrolar dessa história. Dia e noite, sem parar.
Contudo, praticamente ninguém soube que, na mesma época e exatamente na mesma cidade – Miami – cinco outros cubanos continuam privados de liberdade, vítimas de um grave erro da justiça nos EUA.
Gerardo Hernández, Ramón Labañino, Antonio Guerrero, Fernando González e René González foram presos na madrugada do sábado, 12 de setembro de 1998, e pelos 17 meses seguintes foram mantidos em confinamento, em celas solitárias. A principal acusação que há contra eles – como até os promotores e o juiz reconhecem, do dia em que foram presos até o último momento do julgamento – é que, desarmados e pacificamente, se infiltraram em grupos de terroristas anti-cubanos, com o objetivo de informar Cuba sobre os planos criminosos daqueles terroristas.
Pergunto: seria razoável supor que haveria condições em Miami para julgamento equilibrado de cubano revolucionário que enfrentasse esse tipo de acusação? Poderia haver julgamento equilibrado enquanto se desenrolava o sequestro de Elian, na atmosfera que então se criou, de violência, ódio e medo?
Segundo os advogados da acusação, sim. Segundo suas palavras, "Miami é comunidade muito ampla, diversificada e heterogênea", capaz e enfrentar qualquer questão, por sutil e delicada que seja, inclusive questões relacionadas à Revolução Cubana. Os advogados de acusação repetiram essa frase quando, já antes do início do julgamento, rejeitaram os mais de dez pedidos de mudança de foro feitos pela defesa.
O mesmo governo que tivera de lidar com Miami como uma espécie de "cidade rebelada" no caso de Elian e enviou para lá as Forças Especiais para restaurar a legalidade, mentiu repetidas vezes sobre a questão do foro do julgamento dos cubanos, negando aos acusados um direito que os norte-americanos muito respeitam e cujo valor conhecem – o direito de serem julgados em cidade e foro isentos –, e não permitiu que o julgamento fosse transferido para Fort Lauderdale, cidade distante uma hora de viagem, de Miami.
Curiosamente, há alguns anos, em 2002, quando o governo foi objeto de processo civil-administrativo, muito menos importante – que foi depois decidido em acordo extra-judicial – e que só indiretamente guardava qualquer relação com o 'caso Elian', os mesmos procuradores pediram que o processo fosse julgado em outro foro (o foro foi mudado para Fort Lauderdale); nessa ocasião, os procuradores alegaram que "nenhum caso relacionado com Cuba" jamais receberia julgamento justo em Miami. (Ramírez vs. Ashcroft, 01-4835 Civ-Huck, 25/6/2002)
Essa contradição flagrante – prova clara de erro no procedimento dos procuradores, evidência de prevaricação – foi um dos fatores que levaram à decisão unânime, do tribunal da Corte de Apelações, em 2005, que anulou as condenações dos Cinco Cubanos e ordenou novo julgamento. (Corte de Apelações, Undécimo Circuito, n. 01-17176, 03-11087). Essa decisão histórica foi depois revertida pela maioria do Tribunal pressionado pelo Procurador Geral Alberto González, em ação que andou na direção oposta de toda a prática e a jurisprudência dos tribunais norte-americanos regulares. O sucesso dessa anômala intervenção do Procurador Geral González, manifestação de sua pessoal e peculiar filosofia, impediu que o caso dos Cinco Cubanos recebesse a solução justa que honraria a administração da justiça nos EUA.
A decisão do tribunal da Corte de Apelações, documento excepcionalmente sólido e consistente, de 93 páginas, incluindo relação de fatos irrefutáveis sobre meio século de guerra terrorista contra Cuba, continua a ser importante documento da melhor tradição do Direito norte-americano e permanece como reflexão a ser analisada com respeito, por especialistas e estudantes de Direito.
Mas a longa saga dos Cinco Cubanos tem outro capítulo.
Elian Elian González já está terminando o ginásio e continua a atrair a atenção da imprensa estrangeira e de turistas que chegam a Cardenas, a bela cidade onde mora. No caminho, até a casa onde Elian mora, os turistas veem cartazes que exigem a libertação de outros cinco jovens dos quais jamais ouviram falar.
Nas palavras de Leonard Weinglass:
"A imprensa dos EUA manteve o julgamento dos Cinco Cubanos sob total segredo. É inadmissível que o mais longo julgamento da história dos EUA só tenha sido noticiado pela imprensa local de Miami – sobretudo se se considera que vários generais, um almirante e um assessor da presidência dos EUA foram arrolados como testemunhas da defesa. Onde esteve e o que fez a imprensa dos EUA durante os seis meses do julgamento? Esse julgamento, além de ter sido o mais longo, também tratou de questões chaves de relações internacionais e de terrorismo internacional. "Onde esteve e o que fez a imprensa dos EUA durante os seis meses do julgamento dos Cinco Cubanos?" é pergunta que se deve fazer à própria imprensa nos EUA, que continua a não cobrir um caso de tão graves violações de direitos fundamentais e também de violação de direitos humanos de prisioneiros”. (ver em antiterroristas 12/9/2003).
Elian foi salvo porque os norte-americanos foram informados sobre o crime de que foi vítima, envolveram-se e, assim, fizeram prevalecer a justiça. Os Cinco Cubanos continuam presos – em setembro de 2009, serão 11 anos de prisão! – vítimas de uma terrível injustiça, porque a imprensa tem sonegado a verdade aos cidadãos norte-americanos.
Os Cinco Cubanos sofrem punição injusta e cruel porque enfrentaram o terrorismo. São heróis. Mas são heróis censurados.
Artigo traduzido do inglês e pode ser lido em:
http://www.counterpunch.org/alarcon08122009.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário